Sem lenço,

sem documento

Quando estamos emocionalmente deslocados, nos apresentamos ao mundo como um desenho de nós mesmos. Carregamos na bagagem aflições e alegrias. A tristeza, a angústia, o medo, assim como o bem-estar e o devaneio otimista, nos predispõem no caminho da busca. Abre-se incomensurável leque de interlocuções espaço-tempo. De apegos e desapegos.

Aguardando numa esquina para atravessar a rua, no centro de Buenos Aires, ouvi dois homens conversando, e de repente um deles levantou a voz e disse, com ar de satisfação, “los maté con la indiferencia”.
Não imagino o contexto, o tema e os personagens que animavam a conversa, mas continuei pensando na frase. A indiferença como arma letal. Contra quem, contra que?
A eficiência de qualquer arma se mede pela capacidade de neutralizar o alvo para o qual se destina. O que se torna indiferente deixa de ser objeto de preocupações, nos liberta. Mas como o mesmo processo pode ultimar um outro?
O alvo é atingido naquilo que alimenta sua existência, minhas expectativas sobre seu poder, influência, importância, e as suas expectativas de que o valorize, o emule, o deseje, o odeie.
Um assassino imaginário que ignora olimpicamente suas vítimas, las mata con la indiferencia.

Somos indiferentes, mas também nos tornamos indiferentes. Não por um processo indutivo, de convencimento, de propaganda. Nos persuade sem palavras, se instala e nos habita.
A indiferença sinaliza o não interesse, sem gestos grandiloqüentes. Como conceber uma busca sistemática pelo que não desejamos? Apenas ignoramos ou rejeitamos oferecimentos, nos tornamos letais àqueles que pretendem, sem sucesso, nossa interlocução.
Infernos sartreanos de Outros e Outras que se desmancham no poder da indiferença.

A renúncia é a libertação. Não querer é poder. O maior domínio de si próprio é a indiferença por si próprio".

– Fernando Pessoa, O livro do Desassossego

Todo apego cega, e empresta um halo imaginário de atração ao objeto desejado".

– Paramahansa Yogananda, Autobiografia de um iogue

Don Juan dijo que todos cuantos me conocían tenían una idea sobre mí, y que yo alimentaba esa idea con todo cuanto hacía. Debes renovar tu historia personal contando a tus padres, o a tus parientes y tus amigos todo cuanto haces. En cambio, si no tienes historia personal, no se necesitan explicaciones, nadie se enoja ni se desilusiona con tus actos. Y por sobre todo, te amarra con sus pensamientos. Borrar la historia personal nos libera de la carga de los pensamientos ajenos".

– Carlos Castaneda, Viaje a Ixtlan

A celeridade do mundo moderno passa a impressão aos mais velhos que estão diante de um mundo a desmoronar. E de certa forma possuem razão… Vive-se hoje uma 'crise de identidades' no que tange à sexualidade e a vida profissional dos sujeitos sociais".

– Eliane Cardoso Lopes, Relacionamentos Contemporâneos

¿En qué preciso momento de la vida empezamos a ser 'otros', cuando comienza a importarnos lo que antes no lo hacía y viceversa?"

– Graciana Ayerbe, El Oasis

Descobrimos que não existimos
Que nada permanece e a vida nada mais é
Do que ficar na solidão sob a chuva,
Esfriar lentamente e despertar para o sol
Por breves momentos antes da noite definitiva".

– Jane Soares de Almeida, Vinho Antigo