Sem lenço, sem documento

Quando estamos emocionalmente deslocados, nos apresentamos ao mundo como um desenho de nós mesmos. Carregamos na bagagem aflições e alegrias. A tristeza, a angústia, o medo, assim como o bem-estar e o devaneio otimista, nos predispõem no caminho da busca. Abre-se incomensurável leque de interlocuções espaço-tempo:

Todo apego cega, e empresta um halo imaginário de atração ao objeto desejado. Paramahansa Yogananda, Autobiografia de um iogue 

A renúncia é a libertação. Não querer é poder.
O maior domínio de si próprio é a indiferença por si próprio. Fernando Pessoa, O livro do Desassossego

Don Juan dijo que todos cuantos me conocían tenían una idea sobre mí, y que yo alimentaba esa idea con todo cuanto hacía. Debes renovar tu historia personal contando a tus padres, o a tus parientes y tus amigos todo cuanto haces. En cambio, si no tienes historia personal, no se necesitan explicaciones, nadie se enoja ni se desilusiona con tus actos. Y por sobre todo, te amarra con sus pensamientos. Borrar la historia personal nos libera de la carga de los pensamientos ajenos. Carlos Castaneda, Viaje a Ixtlan

A celeridade do mundo moderno passa a impressão aos mais velhos que estão diante de um mundo a desmoronar.
E de certa forma possuem razão… Vive-se hoje uma “crise de identidades” no que tange à sexualidade e a vida profissional dos sujeitos sociais.
Eliane Cardoso Lopes, Relacionamentos Contemporâneos

O “Desaparecer de si” expressa comportamento revelador de “estratagemas dos nossos contemporâneos para deslizar-se da malha do tecido social e renascer em outro lugar, com outra versão de si mesmo, ou bem apagar-se na discrição, a solidão, a ausência”. Trata-se de uma forma de rejeição da carga existencial através da Brancura, mecanismo que suspende o “mundo de maneira provisional ou duradoura (…) uma posição de espera quando o indivíduo busca ainda seu lugar no mundo e este não cessa de esquivá-lo”. David Le Breton, Desaparecer de Sí

Desapegar-se, tornar-se uma espécie de página em branco, desaparecendo de personagem atribuído desde um exterior expressivo do espírito dominante da época, seja através da família, da escola, da sociedade, do trabalho, renascimento em outra versão de si mesmo. Para Le Breton, exemplos de desaparição de si podem ser encontrados no recolhimento
consciente, ou por depressão frente a situações traumáticas; fugas por meio de atividade profissional ou militância exacerbadas; condutas de risco pela transformação do corpo em espaço de experimentação (prática de esportes radicais, ingestão sistemática de substâncias químicas, tatuagens).

¿En qué preciso momento de la vida empezamos a ser “otros”, cuando comienza a importarnos
lo que antes no lo hacía y viceversa?
Graciana Ayerbe, El Oasis

Descobrimos que não existimos
Que nada permanece e a vida nada mais é
Do que ficar na solidão sob a chuva,
Esfriar lentamente e despertar para o sol
Por breves momentos antes da noite definitiva
Jane Soares de Almeida, Vinho Antigo